Embora os princípios deste artigo sejam o BSC (Balanced Scorecard), o case a seguir não se trata exatamente dele. Mas de uma adaptação mal feita dos princípios dessa ferramenta. E de como o uso equivocado de uma ferramenta pode gerar graves problemas no clima organizacional de uma empresa.

“O problema que a maioria de nós tem é que preferimos ser arruinados por elogios do que salvos por críticas.”
“Norman Vincent Peale”
O Balanced Scorecard (BSC) é uma ferramenta de gestão cada vez mais utilizada no mundo corporativo. Mas deve ser usada com moderação e inteligência, como todas as ferramentas. O case, a seguir, é baseado em uma história real. O exemplo de uma aplicação mal feita dos princípios do BSC, contada por um gestor de uma grande empresa com sede em São Paulo e filiais em Sorocaba e Ribeirão Preto. A empresa existe de fato e o nome não será revelado para não comprometer a imagem, bem como o personagem central da história, que será tratado por um pseudônimo.
A empresa em questão é uma ótima organização para se trabalhar. Está em franco crescimento e as pessoas do ambiente de trabalho formam uma bela equipe. Não tem problemas de relacionamento, cada um cumpre bem seu papel e o sistema de promoções se dá por mérito. As diretorias são compostas por pessoas competentes e tudo funciona bem.
Só tem um “pequeno grande” problema: a avaliação trimestral de desempenho (ATD). A ATD foi uma adaptação do BSC criada pelo presidente da empresa, o Sr. Jorge, que está no cargo há mais de oito anos e introduziu a prática exatamente quando se tornou presidente. O Sr. Jorge tem ótimas qualidades, mas tem uma verdadeira obsessão por essa avaliação de desempenho. O testemunho é dado pelo gerente de RH da unidade de Sorocaba.
Quatro vezes por ano, as três unidades da empresa viram de cabeça para baixo. Os gerentes de cada uma das áreas das unidades de São Paulo, Sorocaba e Ribeirão são obrigados a se reunir por conference call e decidir quais serão as questões das ATDs, já que as avaliações são unificadas. Aí começam os problemas: cada uma das unidades tem características próprias. O que faz sentido para São Paulo, não faz sentido para Sorocaba e tampouco para Ribeirão. E na elaboração das questões, cada unidade fica tentando “puxar a brasa para sua sardinha”. O resultado é que as questões, muitas vezes, acabam ficando “sem pé, nem cabeça”.
O segundo grande problema é a logística envolvida na aplicação das ATDs. O Sr. Jorge obriga que as avaliações sejam aplicadas exatamente no mesmo dia e horário em cada uma das unidades, de acordo com a área na qual trabalham os funcionários. Nas duas semanas que antecedem a aplicação das ATDs, os encarregados responsáveis pela execução do processo ficam quase loucos, tamanha é a pressão para que tudo ocorra exatamente como quer o Sr. Jorge. Muitos choram, surtam e ficam doentes!
Terceiro problema: na semana da aplicação das avaliações de desempenho, a empresa literalmente para! Todos têm de se dedicar única e exclusivamente ao cumprimento das ATDs. Clientes que procuram a organização no momento da ATD têm a impressão de que a empresa é uma verdadeira bagunça. Por isso, negócios são perdidos – cerca de 12% do faturamento normal – na semana da ATD. O volume de recursos materiais e humanos envolvidos no processo é absurdo, um custo absolutamente desnecessário. O Sr. Jorge fica enfurecido com tudo e com todos, como se todos fossem culpados pelas inevitáveis falhas de um processo tão complicado e oneroso, que ele tem de justificar ao board de acionistas da empresa. E a cada ATD, surge uma nova ideia mirabolante vinda do Sr. Jorge para garantir o cumprimento e, principalmente, controle do processo, que, é claro, nunca funciona.
Quer saber o que é pior de tudo? Sabe para que serve a ATD nessa empresa? Para nada! Absolutamente nada! Não há resultados, acompanhamento, estabelecimento de metas estratégicas, bonificação, promoções ou demissões (exceto de quem se opõe à ATD)… Nada! Não é feita sequer a tabulação dos dados. Ao final do processo, todos estão tão exaustos, o clima organizacional está tão esfacelado e a motivação está tão em baixa que ninguém tem mais força para fazer nada, nem o próprio Sr. Jorge. É um processo que se tornou um fim em si. Todos já perceberam isso. Só que para não desagradar ao Sr. Jorge, ninguém mais critica a ATD. Os poucos que elogiam e defendem o processo o fazem apenas por bajulação, para cair nas graças do Sr. Jorge. Entre os funcionários, a ATD é motivo de piada, de indignação e, muitas vezes, de pedidos de demissão.
Nas últimas seis ATDs, os gerentes das áreas fingiam que estavam discutindo com dedicação as avaliações, os encarregados fingiam que estavam implementando o processo de forma unificada e nos horários pré-estabelecidos e os funcionários fingiam que estavam respondendo às questões da melhor forma possível. Mas, na verdade, todos – e provavelmente até mesmo o Sr. Jorge – sabem que é tudo “para inglês ver”. E mesmo assim o nível de stress no período da ATD continua elevado. Todos morrem de medo de “serem pegos em flagrante” pelo Sr. Jorge ou denunciados por algum de seus bajuladores.
Lições que o mundo corporativo pode tirar deste case: (1) Uma excelente ideia na teoria, muitas vezes, não funciona na prática. (2) Uma ideia que o chefe teve, mas que cuja operacionalização se mostrou inviável, não faz dele um mau líder. (3) Desistir de uma ideia que teve e deu errado não faz dele um líder fraco. Afinal, antes de ser chefe, todos são humanos. E errar é humano!